34) A Santa e a Prostituta no filme "Uma Linda Mulher"
O script de vida do filme “Uma linda Mulher”
Mônica Clemente (Manika)
Este texto não é um manifesto
feminista, embora eu precise do pensamento feminista para poder elaborar as
ideias dele. Este texto é uma leitura de um possível Script de Vida contido no
filme analisado. Por isso eu gosto dele, não artisticamente falando, mas como
Conto de Fada que expõe compreensões do inconsciente coletivo, que é o objeto
do meu trabalho com as Constelações Mitológicas.
Julia
Roberts, na época namoradinha do cinema americano, interpreta o papel de uma
prostituta no filme “Pretty Woman” (Uma Linda Mulher), que passará uma semana -
muito bem paga - com um empresário frio e calculista, que é o personagem do
Richard Gere.
Ele lhe dá dinheiro para comprar
roupas recatadas e acompanhá-lo em suas manobras comerciais
inescrupulosas. Ela é maltratada nas lojas até ele aparecer.
Em outra cena, ela está bela,
recatada e diva, e diz para o milionário: Você pode escolher o que eu vou
comer. Ele escolhe escargot.
O enredo continua. Eles
brigam. Eles transam. Ele se torna um empresário bonzinho em
uma semana. E ela fica bela, recatada e do lar.
Finalmente, o quarentão chega numa
limusine branca, empunhando um buquê de flores comprado na rua das prostitutas,
para pedir a moça de 19 anos em casamento.
Um filme cheio de preconceitos que as
crianças aprendem desde cedo há séculos. Vou falar de alguns deles:
1. O casamento salva uma mulher de si
mesma.
O casamento, o amor e o romantismo
fazem bem e transformam qualquer pessoa. Neste filme, os dois mudam, então. Mas
é ela quem trocará as roupas, suas atitudes e seu status, o que sugere
que sem a presença de um homem, uma mulher pode se perder e a sociedade a
maltratará.
2. O príncipe sempre chega no cavalo
branco. Ou seja, ele tem o poder e a pureza para mudar o destino de uma mulher,
tornando-a digna e, portanto, humana.
Num sonho, esta imagem indica o
amadurecimento da mulher, sendo este homem a representação da sua sabedoria
interior (Animus Positivo). Num filme, se o enredo não é machista, poderia
representar o mesmo.
Ele também muda, de caráter, com a
presença dela, sem que precise mudar seus modos, sua forma de vestir, nem
seu status. Então, aqui, a Anima Positiva dele pode ser vista, sem os
preconceitos que vemos sobre as transformações na Linda Mulher.
A cena final de “Uma Linda Mulher”,
transportada para a vida real, ou seja, sem a romantização proposta pela obra
cinematográfica, pode ser a de um parceiro assumindo o lugar do pai da
esposa, que para ela pode ter sido ausente ou disse mil vezes, de várias
formas, que nenhuma mulher vale nada sem um homem ao lado.
Futuramente, eles vão inverter os
papeis (a mulher se tornará mãe dele) ou ela o abandonará, se puder, quando
perceber que não precisa mais seguir este script de vida no qual “toda mulher é
prostituta sem um homem aparando-a”.
E que não é suficiente ter “o
sustento do marido e a dignidade de sua presença masculina” sem uma conexão
verdadeira de sentimentos.
Veja, durante todo o filme somos
expostos às transformações dela por fora e, rapidamente, somos expostas à
transformação dele por dentro. Existe, portanto, uma normatização do
comportamento e aparência da mulher, e um romantismo sobre o homem.
É por isso que falar deste filme gera
tantas contradições. Porque ele é romântico sim, se vemos como o personagem do
Richard Gere muda positivamente. E é machista quando vemos no que a Linda
Mulher teve que se virar para atender às expectativas da sociedade em relação
ao que que é uma boa moça.
3. No filme vemos dois arquétipos
femininos sendo manipulados pelo poder de um homem.
A santa e a prostituta são arquétipos
que tornam uma mulher boa para casar, desde que a Santa sobressaia graças à
varinha mágica masculina. A mesma varinha que pode transformar uma mulher
numa prostituta.
Já escutou a frase “essa mulher é boa
para casar e esta não é” ? Baseado em quem os homens falam isso?
A santa se conecta com a figura da
boa mãe, uma imagem carinhosa, amorosa, acolhedora e clemente. Já o arquétipo
da prostituta tem a ver com um certo tipo de submissão rebelde: embora haja
poder na mulher, ele é drenado para o parceiro por um preço.
O Arquétipo da Prostituta (agora não
estou falando da profissão de prostituta, tão digna quanto qualquer outra
profissão. Não confundir) pode se referir aos serviços carnais e espirituais de
uma mulher.
Este arquétipo na mulher conecta o
homem à sua alma, ao seu destino. No filme, este arquétipo realmente
transformou o homem, mas precisou desaparecer por meio de mudanças do
comportamento da moça.
E, as facetas femininas da sábia,
empresária, estrategista e guerreira (que a Linda Mulher é), não são muito
cotadas para o casamento. A não ser que sejam subjugadas pela faceta
da Santa, que camuflou a Submissa Rebelde graças à presença
masculina na forma de “cuidados” que pedem para ela mudar por fora.
Outra mensagem que foi romantizada no
filme, mas atua como estigma para mulheres e homens na realidade, é a de que
4. As mulheres se interessam pelo
dinheiro e os homens dão dinheiro e não o coração, embora o coração dele, ao
final, tenha se transformado.
Aí, muitas mulheres se casam nestes 4
termos elencados desde a postagem anterior, e descobrem que a relação de trocas
não afetivas e estes papeis que esperam delas, não as fizeram felizes. “Se
casamento é isso, eu não vou mais casar”, algumas pensarão.
Elas mesmas, ou os seus filhos e
filhas vendo seus sofrimentos, tentarão proteger suas filhas deste destino,
dizendo: “Nunca dependa de ninguém!” Um script de vida que diz, com outras
palavras - “nunca case com ninguém”
Ou “se case por dinheiro e não por
amor”.
Afinal, ser mais feliz no casamento,
como na sociedade e como adulto depende de aprender a depender de outros adultos,
(ser cuidada e cuidar) até para simples trocas de palavra de carinho, desde que
não nos levem à submissão, produto das relações de poder e não de amor.
Mônica Clemente (Manika)
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Pretty Woman
Direção: Garry Marshall
Roteiro: J. F Lawton
Elenco: Julia Roberts, Richard Gere, Ralph Bellamy
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